terça-feira, 29 de maio de 2012

Drogas

Era uma tarde, fria e úmida, típica da cidade onde moro. Naquela salinha do colégio em que nos abrigamos, meu (até hoje) melhor amigo, confidenciou-nos o afã de sua vida: seu pai era viciado. A primeira reação (ou seria inação?), o torpor, foi comum à nós três, ouvintes meninas de treze anos. Mas, sentadas ali, ouvindo as histórias de como era a rotina do nosso amigo, choramos. Choramos por pena, choramos por amor, choramos por compaixão. Contou-nos de como o pai dele tinha uma poupança no banco para comprar uma linda casa e de como aspirou todo o dinheiro. Ou de como ele dizia para a irmãzinha "vá para o seu quarto escutar High School Musical no último volume" quando o pai começava uma carreira de pó. Ou ainda, da vez em que ele brigou com o pai porque ele queria uma bicicleta, e no dia seguinte, quando acordou, seu pai se encontrava prostrado no chão; foi levado ao hospital e se salvou - não das drogas, mas ao menos de sua vida -. E a subsequente conclusão: "Nunca vá dormir brigado com alguém que você ama" ele nos disse. O tempo passou. Uma vez ele me perguntou "será que seremos amigos até a faculdade?" "espero que sim", respondi. "se depender de mim, eu vou te apresentar aos meus netos". De fato continuamos amigos, só que seguimos caminhos diferentes. Ele com namorada, morando um pouco mais longe, trabalhando. Continuamos a nos falar, ainda que escassamente. Nos ligamos nos aniversários (é como uma obrigação). E planejamos nos encontrar sempre no próximo final de semana, aquele que nunca chega. Ele sempre meio rebelde. Um vez inventou de ser punk, não entrava mais em shopping, raspou o cabelo dos lados e deixou um moicano roxo. Agora o negócio dele é torcida organizada do time de futebol. Briga? Briga. Já foi processado por espancar um playboy. Sempre brigou. Sempre dávamos sermões à ele. Mas ele continuava a brigar. Gosta de uma maconha ("olha o exemplo do seu pai" tentamos alertá-lo). Recentemente foi parar no hospital com parada respiratória, por fumar como uma chaminé, concluo. E isso aos dezessete. Dezessete, a idade de fazer cagadas.

domingo, 6 de maio de 2012

Meu Novo Vício

Chego na aula cinco minutos antes do sinal bater como de praxe, e tem alguém diferente sentado na cadeira ao lado da minha. Esse alguém diferente possui uma beleza que me intimida um pouco à primeira vista. Mas não me abalo. Sento na cadeira e digo "olá, tudo bem?" triunfante. Mas ele não deixa por menos e me responde com um "oi, tudo bem e com você?", no que eu só dou um sorriso. Que atrevimento me inundar desse jeito! Eu também tenho direito de prestar atenção na aula! No dia seguinte ele não pára de me olhar, isso me agrada muito. Minhas amigas comentam "nossa, você viu como ele te secou a aula inteira?" Mais algumas semanas e bilhetinhos trocados. Torna-se rotina eu querer saber dele, sair de casa ansiosa pensando "será que ele vai sentar ao meu lado hoje?". Mais outras semanas e lá se foram conversas trocadas sobre nossas futuras carreiras, nossos sonhos, nossos desejos, sobre como ele odeia São Paulo e como eu a amo. Uma indireta minha, um riso sem graça dele. Ou como fomos no exame. Às vezes eu noto, nos dias que a gente não se fala muito, que ele ele me espera na saída, nem que seja para perguntar se eu vou ficar para estudar no colégio. Entretanto essas conversas se tornam escassas, talvez porque ele saiba que me tem na mão, basta ele querer. Mas mais ainda, porque eu começo a ignorá-lo. Passo reto. Finjo que não vejo que ele me esperou na saída. Faço cara fechada. Ajo como uma legítima curitibana (piada infeliz). Preciso saber se eu também habito os mais recônditos pensamentos dele assim como ele habita os meus. Eu preciso dele. Sou dependente dele. Ele é o meu vício. A minha droga.